Dia 22, de não sei quantos...

Foncebadón - Ponferrada: 27,4 km

Hoje foi difícil. Muito, muito difícil. Muito mais do que eu estava esperando ou até preparado. E, claro, como muitas vezes durante o Caminho, a paisagem compensa imensamente as dificuldades.

Mas, como dizia Jack, vamos por partes!

Saída de Foncebadón às 7h30, sem chuva! Informação importante, já que tinha chovido das 18h do dia anterior, até umas 2 da manhã. Eu já me via saindo do albergue com capa. Outra informação relevante, a bolha no calcanhar direito estava pior. O dia começava bem. Mas, como dizia minha avó, "cavalo que corre por gosto, não cansa!". O cavalo, neste caso, continuo sendo eu, claro. Mas ela, a avó, nunca disse se o cavalo teria bolhas. Adiante.

Embora Foncebadón esteja a 1437 metros, tive de subir mais, a caminho da Cruz de ferro.

Há seis anos atrás, passamos por aqui, de bicicleta, vindo de Astorga. Tantas lembranças daquela viagem Firam voltando, à medida que passo pelos mesmos lugares. Foi uma viagem muito especial.

Depois da Cruz, descemos um pouco em direção a Manjarín. Essa casa na direita é um abrigo de montanha. Eu cheguei a considerar ficar aqui. Agradeço a todas as deusas por ter ficado cansado em Foncebadón. De verdade. Soube depois, que essa porcaria não tem água quente nem aquecimento. Isso é muito mais aventura do que eu tenho capacidade de absorver, neste momento da minha vida. Talvez quando renascer.

E seguimos subindo, entre trilhas que pareciam a floresta dos filmes sobre o Vietnam, mas nunca muito longe dessa estrada, onde os ciclistas subiam alegremente. Já vão entender a alegria.

E cheguei no topo do mundo.

1505 metros de altitude! Acho que é o mais alto que já subi, na vida. Sensação surreal, ver aquele "mar de nuvens", abaixo.

Definitivamente, o momento alto do dia. Absoluta e absurdamente espetacular! E ainda bem que teve isso. Sem isso, o dia teria apenas o mais insano downhill sobre pedras de todos os tipos e formatos, mas sobretudo do tipo que quer arrebentar com pés, tornozelos, joelhos, coxas e ancas. Sim, ancas. Não fazia ideia que era possível ter dores nas ancas, para homem que não pariu filhos, quero dizer.

Assim começou a descida até Molinaseca, passando por El Acebo de San Miguel e Riego de Ambrós. Lembram do que eu falei depois do Alto del Perdón? Aqui foi pior.

Quando passamos aqui de bicicleta, há uns anos, eu lembro de ter visto um velhinho sentado num banquinho ao lado da igreja. Ele tinha tirado os sapatos e meias e os pés dele estava num estado lastimável. Lembro que ele respirou fundo, calçou tudo lentamente, e fez uma cara de um resignado "bora", como se tentasse se motivar. Hoje, esse velhinho era eu, para os ciclistas que desciam alegremente.

Nesta bifurcação, eu ri sozinho. Na outra viagens, o Marcos nos fez acreditar que a gente tinha errado o caminho e que o Las Herrerias que a gente queria ir era do outro lado da montanha. Ou seja, a gente teria de subir de novo tudo que já tínhamos descido. Depois de um momento em que todos nós queríamos acabar com a vida dele, ele entendeu o perigo e riu como raramente vi alguém rir de mim (e da Débora e Francisco, claro). A única coisa que eu lembro de falar para ele foi que ele tinha perdido uma oportunidade de filmar a nossa reação e colocar no YouTube. Hoje, a memória me fez rir e foi uma pausa muito bem-vinda, na minha descida.

228 km até Santiago!

Em Riego de Ambrós, estávamos a dois terços da descida. Ainda. E já estávamos descendo há mais de 2 horas. 

Distraído pela estrada plana e paisagem, segui reto, até o fim da rua, onde havia uma casa com área de exercícios. Sério?

Aqui, um dia, teve uma casa.

A academia ao ar livre, de Riego. Como não vi saída, voltei para procurar a bendita seta amarelo. E ela mandava descer pela trilha da floresta, claro, ao lado de uma estrada deserta e em perfeito estado. Claro.

E por aí segui, até Molinaseca.

Em Molinaseca, parei para uma cerveja, uma fatoa de bolo, um breve descanso e a séria consideração de pegar um táxi até Ponferrada.

Continuei andando. Faltavam 7 km para chegar ao hostel.

E cheguei a Ponferrada. Não posso dizer "inteiro" ou "zerado", mas cheguei. Depois do almoço, banho e sexta, passeei um pouco pela cidade.

Jantei perto do hoste, vendo parte de não sei qual final de competição de futebol europeu, entre Sevilha e Roma.

E acabou o dia.

Paz!

Comentários

  1. Depois dessa subida O’Cebreiro vai ser fichinha. Alto do Poio são apenas 1335 m de elevação. Keep Walking. Buen Camiño.

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