Dia 17, de não sei quantos...

San Nicolás del Real Camino - Villamarco: 33 km

Hoje foi um dia cinzento e ventoso. O Raúl disse que a chuva vai voltar durante uns dias, agora. Mas depois explico quem é o Raúl. 

Já caminhei muitos km e ainda faltam muitos, como mostra esse mapa. Caminhei horas com a cabeça com centenas de pensamentos ao mesmo tempo, sem conseguir fixar ou "tratar" de um único tema. Pensei no que vou fazer quando voltar, na família próxima e afastada, nas pessoas que nos deixaram, nos meus 51 anos, na kaleidoskope e o esforço doido para manter o conceito vivo, no que vou "pedir" em Santiago e em nome de quem, na ideia de que estou aqui "para servir", sem ainda ter ideia de como, no tempo que passa e dá a sensação de que a vida tem pouco sentido (nasce, cresce, estuda, trabalha, faz filhos, compra casa, envelhece, morre), mas que todas as felicidades fazem valer infinitamente a pena, nas letras de/e músicas que achei que iam brotar espontaneamente da solidão… tudo isso e mais um montão de coisas, sucessivamente. A isso se adicionou, hoje, a sensação de Groundhog day ("Feitiço do tempo", 1993). A sensação de loop infinito parece ter aumentado muito, talvez porque voltei a caminhar sozinho. E, obviamente, nunca fica muito longe a pergunta "porque raios estou aqui, longe de tudo e todos?". Talvez as respostas venham mais para a frente, ou talvez até nem venham, mas pelo menos cada dia que passa me coloca mais perto de casa. E vamos, um pé na frente do outro, sempre na direção de Santiago, o destino do momento. Nos outros destinos, pensarei mais tarde. Em seu tempo. 

De vez em quando, algo na paisagem me tirava dessa "fritação", como esta igrejinha, na entrada de Sahagún. Aliás, falando de Sahagún, segundo alguns guias do Caminho, é a cidade que marca a metade da caminhada. Ok. Seja. Mas eu acho que estão contando a partir de Roncesvalles e não de Saint Jean. Pouco importa. Passei da metade.

"Ainda sigo acreditando em finais felizes!". Eu também!

Assim fiquei sabendo que é em Sahagún que recusa Alfonso 6. E quem é o jovem? Pergunte para a Wikipedia!

Saí de Sahagún em direção a Bercianos - era preciso estar bem atento, porque havia um trajeto B com mais 5 km. Fui pelo A, claro.

Em breve, abaixo dos 300. Espero!

Na entrada de El Burgo Ranero, ultrapassae sem dó uma senhora coreana, que está fazendo o Caminho numa cadeira de rodas motorizada. Ela riu e me desejou buen camino.

Almocei na muvuca insuportável da rua principal de El Burgo Ranero e segui, sem saber bem onde parar. Até aí eu já tinha caminhado 26 km e a cidade seguinte ficava a 13 km. Mas eu não queria parar, eram 13h20. Então segui.

E mais um castelo…

Andei até chegar a um sinal que dizia que a 800 metros do Caminho, numa aldeia do lado esquerdo, havia um albergue. Liguei para o número e o Raúl atendeu e pediu 10 mn para chegar no albergue. Isso. Ele abriu o albergue só para mim, em Villamarco.

O albergue é o resultado de uma reforma estranha, num edifício que era uma escola. No térreo tem cozinha, sala e banheiro e 3 quartos com beliches no 1° andar. E tenho de me baixar sempre que desço a escada ou vou no banheiro.

Banho tomado, cansado, mas bem instalado. Fui ao único bar da aldeia e assisti 20 mn de jogo televisivo da tv espanhola, em companhia de de um casal de idosos, a dona do bar e uma menina que ficou num canto, no celular. Não vi uma criança na aldeia, muito embora haja um parquinho ao lado da igreja. Sinto-me no Fargo espanhol.

Amanhã é só puxar a porta do albergue e ir embora. E amanhã é, espero, dia de chegar a León, onde há 6 anos atrás, encontrei com a Débora, Marcos e Francisco, para seguir de bicicleta até Santiago.

Por hoje, é isso.

Paz!

Comentários

  1. Muitos momentos de introspecção, parece que o Caminho está te pegando. Keep walking. Buen Camiño.

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