Dia 19, de não sei quantos...

León - San Martín del Camino: 26 km

A noite no centro de uma grande cidade já não é o que era. Fui deitar um pouco antes das 22h. 3 dos meus 4 vizinhos de quarto estavam na rua, com milhares de Leonenses, livin' la vida loca. E era o que tinha de ser feito, se não fosse a caminhada do dia seguinte. Resultado: uma barulheira lá fora e, entre as 3h e as 5h30, uns bêbados que discutiram alegre e altamente, debaixo da nossa janela, até algum desmancha-prazer chamar a polícia para acabar com a algazarra. E não fui eu.

Saí de uma León ainda de ressaca. As ruas tinham agentes de limpeza e os últimos bêbados.

O Gaudí me disse que essa era a hora perfeita para andar pela cidade e desenhar. E, muito embora eu não saiba desenhar nem para salvar a vida, concordo com ele.

Há uma coisa diferente no ar, o cheiro, a luz de uma cidade que acorda. Sempre foi meu momento preferido do dia, por mais custoso que seja.

E que cidade linda é León. Pelo menos esse pequeno pedaço mais antigo que os meus pés conseguiram tocar. A história está ali, palpável, em cada esquina.

Até nas pequenas praças como esta, não é muito difícil imaginar como era a vida nesta cidade, no tempo dos reis.

À medida que fui saindo da cidade, fui encontrando mais peregrinos, a caminho de Astorga, por un dos dois caminhos disponíveis. Eram 8h e os poucos Leonenses que encontrávamos eram os que iam preparando a cidade para o domingo. E essa parte central da cidade é quase um museu a céu aberto, de diversas épocas, misturadas.

A 50 metros desta homenagem aos combatentes da guerra civil, está este outro marco do passado.

E assim fui abandonando León.

Nos arredores da cidade, lembrei de ter passado por aqui de bicicleta, este lugar que eu tinha chamado de Shire, porque aí estava a casa de Bilbo.

Nos arredores da cidade, já é difícil não ver o efeito da crise, do pós-pandemia. Muitas casas que, em algum momento foram majestuosas, hoje estão à venda, quando não estão simplesmente abandonadas. Esses pensamentos mais tristes certamente me impediram de gravar esses momentos, mas lembro bem deles, enquanto escrevo.

Chegando na Virgen del Camino, momento tenso porque havia o trajeto A e o trajeto alternativo B. Os especialistas recomendavam o B, por se afastar da estrada principal, por ser mais calmo, mais bonito, cheio de pássaros que harmonizam seus passos e cantam, espalhando flores pelo seu caminho…e é 5 km mais longo. Fiz meu maior esforço para não perder a indicação do caminho A. E não fui o único. Nesta altura do Caminho, acho que já temos muitos membros no clube "bora logo!".

A minha vontade de chegar logo não me impede de ver coisas bonitas, coisas muitas vezes melancólicas como esta rua que fez pensar "numa vida normal", seja lá o que isso quer dizer.

E assim passam para "estou a menos de 300 km de Santiago!".

Em Valverde de la Virgen, voltou um pouco aquela coisa da "España vaciada", ao mesmo tempo que se via as consequências da crise.

Em San Miguel del Camino fiz a minha pausa para descansar, beber um suco de laranja, comer uma barra de cereais. Faltavam 12 km para o meu destino e eram umas 11h da manhã. O plano era almoçar em San Martín del Camino, meu destino de hoje. Bora.

Um passo de cada vez, certo? Nesta aldeia encontrei um caminhante de São Paulo, que, assim que soube que a minha nacionalidade era portuguesa, queria absolutamente me apresentar o Joaquim, um companheiro português do Puórto. Ele foi na frente, à procura do Joaquim, que acabei por conhecer na entrada de San Martín.

Antes de chegar a San Martín, vi este incentivo aos peregrinos. Ri muito. Um boneco de um peregrino, pendurado numa estaca, com um buen camino embaixo. Aí está uma reunião de briefing do comitê de Turismo local, que eu gostaria de ter presenciado. "Peraí! Escuta a ideia do jovem até ao fim!".

Esta imagem aqui é só para vos mostrar o que define terror, no Caminho, muito mais do que qualquer boneco enforcado.

Felizmente, temos sempre o "sentido de carneirada", como dizia meu pai, para nos salvar: segue a manada. Se a gente se perder, a gente se perde juntos.

E cheguei no albergue Santa Ana, minha casa por um dia. E estes são meus colegas de mesa e, provavelmente, de caminhada, amanhã, até Astorga.


Temos Elisabeth (França), Kei e Ito (Japão) e os 3 do fundo que acho que são da Croácia, mas moram na Alemanha. Digo "acho" porque não falamos quase nada, no jantar. 

É isso por hoje.

Paz!

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