Dia 23, de não sei quantos...

Ponferrada - Villafranca del Bierzo: 24,1 km

Dei-me mais meia hora de descanso, hoje. Achei importante, depois de ontem. A etapa também parecia ser mais tranquila, pelo menos no papel. As dores nos pés diminuíram, com o descanso, e a bolha no calcanhar esquerdo está muito melhor, embora não esteja curada. Ponferrada acordava lentamente, enquanto os peregrinos a deixavam. Tinha chovido de noite, mas esta manhã só estava coberto e fresco, condições perfeitas para uma etapa mais leve.

Acho tão espetacular quando o Caminho passa por dentro de edificios, como aconteceu aqui. Não havia nenhuma descrição do edifício, neste caso, mas me pareceu ser um antigo convento ou escola. Tinha uma igreja do outro lado do jardim interno.

O pedaço de hoje passou por várias cidades ou aldeias que estavam relativamente perto, umas das outras. Isso também contribui para o tempo passar mais rápido. Entre as cidades, vastas plantações, na maior parte dos casos, de vinícolas.

Duas asiáticas insistiram para tirar uma foto no marco que mostrava que estávamos a menos de 200 km de Santiago. Aqui está.

Super sem graça para a foto, mas aqui está o velhinho que mal se aguenta em pé, com a sua bolsa de colostomia e tudo. Elas devem ter pensado "nossa, que corajoso e forte!". Eu não desmenti, agradeci com uma voz frágil, peguei os bastões e fui embora. Isso me lembrou que, há uns dias atrás, eu tava sem vontade de falar com ninguém e uma senhora da Austrália tentou meter conversa e eu só juntei as mãos na frente, sorri com todos os dentes, larguei um "sorry, missah, no speaka Inglishâ. Arigatô! Arigatô" e acelerei o passo, sempre agradecendo e sorrindo. Espero que ela volte e conte sobre o dia que ela tentou conversar com um mestiço japonês.

Em Cacabelos, ainda era cedo para uma pausa. Um francês se divertiu com o nome da cidade. Representou com louvor a 5a série francesa e seguiu, feliz, em direção ao centro.

Uma coisa engraçada desta viagem é como descubro que temos muitos terminais nervosos. E são eles que enviam para o cérebro a informação de dor, certo? Então as vezes eu paro e: "aah, ok. Então ali também tem terminais nervosos! Ok. Não sabia. Ahh, ali também! Hmm. Ah, este aqui, que eu também desconhecia, está trabalhando muito. Está mandando dizer que está doendo MUITO!". Por exemplo, tem uma dor na lateral externa do pé, que até parece que um osso quebrou. Nunca tinha sentido essa dor. Felizmente a irmã Elisabeth disse não estava nada quebrado, que era só uma leve inchaço de algum nervo ou ligamento. Falou em ligamento, eu entrei em pânico. Ela notou e disse só para começar o banho com água gelada nos pés, durante 5 mn. Tenho feito isso desde então e aquela dor específica, passou. É isso. Hoje tenho outras e até Santiago, certamente vou descobrir mais terminais nervosos.

Na saída de Pieros, o grupo não oficial de peregrinos - caminhávamos todos mais ou menos no mesmo ritmo desde Cacabelos, espalhados por uns 200 metros - se separou. Uma parte grande decidiu seguir pela estrada, e outra subiu pela direita, em direção a Valtuille de Arriba. Lembrei que quando fizemos esse trecho de bicicleta, foi aqui que eu pedi para sairmos um pouco da estrada e pedalar um pouco em trilhas, já que tínhamos excelentes bicicletas. Naquela altura o grupo não gostou, mas aceitou só porque eu tinha acabado de chegar. Foi uma experiência única. Literalmente. Depois dessa, fomos pela estrada até Santiago. Eu lembro até de ter caído na porcaria da trilha. Desta vez, no entanto, valeu a pena o desvio.

Chegamos a Valtuille e eu pensei em parar na escola para me refrescar, antes de ir para Villafranca.

Infelizmente a escola estava fechada. Aliás, absolutamente tudo estava fechado na aldeia. A única coisa boa foi ter encontrado de novo o Adam.

Ele me contava, feliz, que já tinha perdido 10 kg, desde que tinha começado, em Saint Jean. Eu não me pesei nem antes, nem agora, então só saberei isso quando chegar a casa.

Fomos juntos, na conversa, até à entrada de Villafranca, onde ele passou oara descansar.

Foi algures por aí que caí, em 2017. Boas memórias.

E assim cheguei no destino de hoje: Villafranca del Bierzo.

Duas igrejas e um castelo, nem mais, nem menos!

Sentei para almoçar e o Bernard e Jean François. A gente vinha se encontrando pelo caminho e se prometendo uma cerveja e aconteceu hoje, finalmente. Foi divertidíssimo. Eles já estão caminhando desde Le Puy, origem do Caminho francês. Já têm mais de 1500 km, se não me engano. Muito doido! Se eu já tenho vontade de voltar para casa, imagina eles. E eles ainda caminharam mais 5 km para chegar no lugar onde iam dormir, hoje. Eles riam porque já tinham feito as compras e o principal estava garantido: 2 garrafas de rosé!

E cheguei no meu hostel de hoje, um antigo mosteiro, reconvertido em lugar de hospedagem para peregrinos.

Vista da janela do quarto.

O pátio interno, com a capela no canto.

Vista interna, da porta de um dos quartos. Espetacular!

Agora, apenas um comentário rápido sobre o espanhol, sem generalizar, ok? Duas situações inusitadas, para mim, pelo menos: ontem, em Ponferrada, eu tinha umas roupas que eu queria doar. Na rua do meu hostel, encontrei uma irmã de caridade e perguntei onde poderia doar as roupas. Ela me falou que quem cuida disso é  a Cáritas, mas que estava fechada, naquele horário. Expliquei que ia embora no dia seguinte, cedo. Ela entendeu, mas não tinha solução. E eu pensando que ela mesmo poderia ficar com a doação. Acabei por deixar numa mesa, na igreja, não sem ter direito aos olhares e comentários suspeitos das velhinhas que saíam da missa. Acho que pensaram em terrorismo - a sacola estava fechada. A minha sorte foi o padre me agradecer, depois. Mas a suspeição me incomodou.

A outra situação foi eu entrar num restaurante, pedir um sanduíche "para levar" e a atendente simplesmente dizer "não fazemos para levar". E pronto. E eu estava consumindo, naquele momento. É isso.

Fui. Amanhã tem O Cebreiro!

Paz!

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