Eu...mas sem mim...

De há uns anos para cá que tenho tido problemas de azias. Sempre atribui isso à mudança na minha alimentação e pensava que cedo ou tarde passaria. Até que na semana passada a dor se atingiu o limite do suportável, sensação se que o peito inteiro estava em chamas do lado de dentro, acidez na garganta, the whole sh-bang! Fui parar nas urgências para ver se me davam alguma coisa. Depois de duas horas de espera fui chamado no momento em que a dor já tinha quase desaparecido. O médico disse que podia ser uma gastrite e aconselhou-me a ir ver um especialista. Cool. 2 horas para isso. Fui ver o dito especialista que me passou uma série de exames, entre os quais uma bela de uma endoscopia. Primeira vez.

Ontem, segunda-feira, foi o dia da dita cuja. O meu irmão me acompanhou e me avisou que eu ia passar o melhor tempo da minha vida. Ok. Conhecendo o animal, veio um sorriso aos lábios. Cheguei lá, tirei relógio, carteira etc. e deitei-me na maca todo vestido, de lado. Uma das duas enfermeiras colocou um spray amargo na garganta enquanto a outra me furava a veia e colocava um sensor no dedo. E pronto. Eram umas 9 da matina. No segundo seguinte eu estava sentado numa sala que não reconheci, com o meu irmão a dizer-me “vamos embora”? Olhei para o meu relógio – que tinha voltado para o meu pulso – e vi que marcava umas 10:30.

Peraí! WTF? Time travel!!

Tenho lembranças vagas de a partir desse momento. Levantei-me e fui com ele até o prédio ao lado para marcar logo a batelada de análises que a médica me tinha passado. Saímos para a rua, entramos no prédio, entramos num primeiro laboratório de análises que nos disse que só faziam algumas das análises que eu tinha na lista. Saímos e fomos para outro – felizmente tudo no mesmo prédio – que fazia tudo, falei com a menina várias coisas das quais não me lembro, entreguei umas coisas lá, fui para uma sala, saí da sala, saímos do prédio, andamos até ao carro – que me pareceu estar longe – e de repente é meio dia e eu estou dentro da minha casa...esfomeado. Time travelling again!

Eu pensava que ia ser possível trabalhar nessa tarde. Hahahhaha. Que piada! Eu parecia uma criança com distúrbio de déficit de atenção e um pouco de hiperatividade. Começava as coisas e não terminava. Assim deixei as chaves do lado de fora da casa, queimei o almoço, deixei o telefone fora do descanso, comecei conversas no msn que não terminei...enfim. Depressa dei-me conta que o melhor que tinha a fazer é esquecer o trabalho. Como a lucidez foi voltando pouco a pouco eu comecei a reconstituir um pouco os acontecimentos. “Descobri” uma pasta com as receitas dos exames na sala, assim como um tubo de amostra. Problema. Não faço ideia do que fazer com tudo isso. Será que afinal imaginei a passagem pelos laboratórios? O que é suposto eu fazer com aquilo tudo? Tenho algum medicamento para tomar? Já comprei o dito medicamento?

Resultado: hoje de manhã, de jejum, voltei ao laboratório onde eu imaginei que tinha estado ontem e tive a seguinte conversa com a menina que atendia. Por sorte era a mesma que me tinha atendido ontem:
  • Eu: oi. Eu estive aqui ontem?
  • Ela: hã?
  • Eu: é que eu fiz uma endoscopia ontem e fiquei com a impressão que passei aqui mas não sei o que disse, fiz ou entreguei. Eu estive aqui?
  • Ela (com um sorriso): sim, e fui eu que fiz o seu atendimento.
  • Eu: ahh que bom. Importa-se de fazer de novo o atendimento porque eu não me lembro de absolutamente nada do que você me disse? Tenho aqui uma série de documentos e material que não sei o que fazer com eles... nem sei se o vosso laboratório atende o meu plano de saúde..
  • Ela (quase se engasgou...) : sim, sem problema
E foi assim que ela me explicou que eu já tinha entregue umas coisas para análise, que a ressonância só podia ser agendada por telefone, que o tubo era para amostra de fezes de 3 dias diferentes, etc. etc.

Conclusão: não sei que droga foi aquela, mas foi MUITO boa. Eu flutuei durante a maior parte do dia. O meu problema é que tenho umas horas da minha vida que simplesmente foram apagadas do meu cérebro. Não estão gravadas em lugar nenhum. Não me lembro de ter adormecido, sonhado, acordado, nada. Absolutamente nada. Outra coisa. Essa coisa de parecer perfeitamente lúcido e não conseguir sequer me lembrar das conversas que tive etc. É surreal.
 
Pensei muito no livro “As portas da percepção” de Huxley. Eu gostaria de poder fazer essa experiência e filmar para ver depois. Deve ser fabuloso. Uma verdadeira experiência fora do corpo. Como será o “eu” sem eu? Será que nesse momento aparece o inconsciente verdadeiro, sem travas nem filtros? Ou será que esse é que é o verdadeiro consciente?... Gostaria muito de saber...

Comentários

  1. Genial a sua experiência. Melhor ainda a sua forma de relatar!

    E é bom você saber que o melhor de tudo isso é você não ter noção do que se passou na hora da endoscopia. E nunca fiz, mas acompanhei o Edu uma vez, que não teve o prazer de tomar a tal droga e ficou o tempo todo acordado.

    Eu quase desmaiei, só de assistir...

    Beijo.

    Sanflosi.

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  2. O Duda me disse que também fez sem drogas. Hell no! Nem quero imaginar como deve ser. Please, knock me out! :)

    Beijo!

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