Memórias da chuva...(1)

Desde que a memória me consegue levar, sempre adorei a chuva. Não existe cheiro mais apaziguador e inebriante que aquele que antecipa a chuva. Em todos os países por onde passei tenho uma lembrança boa associada à chuva.

Em Bissau lembro-me do quanto antecipávamos a chuva. Nós crianças, adorávamos tomar banho de chuva. Era a melhor coisa do mundo. Os rapazes jogavam futebol no meio das ruas desertadas pelos carros, as meninas corriam embaixo das goteiras que deixavam cair enormes quantidades de água. Tanto que ás vezes doía. Lembro-me de uma vez que eu estava a voltar para casa de um futebol perto de casa, devia ter os meus 11 anos. Eram por volta das 4 da tarde e de repente ficou tudo escuro. Nunca tinha visto algo igual. Em casa estava só a minha avó e não havia eletricidade – fato normal em Bissau e muitos outros países africanos – e eu queria ir para rua tomar banho quando a chuva caísse. Era estranho porque o céu estava cinza escuro e não havia vento. Minha avó ficou com medo e não me deixou ir. Aliás, isso é uma coisa que eu me lembro bem da chuva em Bissau. Ela caía reta, como uma cortina de água, um chuveiro de água tépida e limpinha. E sempre acompanhada por aquele sentimento de limpeza, de pureza, de fresco. A criança da imagem ali podia ser eu. Perfeitamente. Mas a imagem veio daqui.

Noutra vez, estávamos em Bubaque, uma das ilhas do arquipélago dos Bijagós. Estávamos na praia da escadinha e de repente começou a chover. Como era uma daquelas chuvas tropicais, quentes, ficamos na praia à espera que passasse. A temperatura da chuva era a mesma da água, uma delícia. Estávamos rodeados pela luxuriante floresta tropical, uma imagem digna de filme. Como a chuva não parava, decidimos ir para o chalé. Eu quis mostrar como corria depressa e saí na frente, disparado, até chegar sozinho ao destino. Esperei o que me pareceu ser uma eternidade, e como ninguém aparecia, decidi voltar para ver se precisavam de ajuda. E aí apanhei o susto da minha vida. Na escada que levava para a praia – daí o nome de praia da escadinha – estava caída a maior arvore do mundo. Pelo menos foi o que me pareceu naquele momento. E eu chamei por todos, mae, irmã, irmão avó, amigos, todo o mundo. Mas ninguém respondia. Um único pensamento latejava na minha mente infantil: eles estão todos embaixo da arvore! Corri de volta para o chalé com esperança de encontrar alguém que me ajudasse a levantar a porcaria da arvore. E dou de caras com a família inteira rindo às gargalhadas por causa da correria para fugir da chuva – eu nunca tinha visto a minha mãe, minha avó e os amigos deles, mais velhos, correr. Tenho a certeza que devia ser de morrer de rir. Só que eu não estava com muita vontade de rir naquele momento. Fui tomar banho de chuva até rir sozinho outra vez.

Que saudades daquela chuva...

Comentários

  1. A seca de Brasília trazendo as memórias mais distantes à cabeça!
    Beijos.
    Sandra.

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  2. Não tinha pensado nisso... deve ser isso. Nunca estve tão desesperadamente seco aqui. No outro dia no twitter alguém se queixou de estar só 18% de humidade em SP. Olhei lá para fora, o painel indicava 9%. Eu ri amarelo. Disseram que houve um dia que atingimos 7% e que abaixo de 10% é considerado insalubre trabalhar...

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