Saudades de Madiba...

Em 1994, após o fim do regime do apartheid na África do Sul, foi criada a Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR).Foi um movimento profundamente ligado a elson Mandela e ao seu legado de perdão e justiça. Madiba, apelido carinhoso dado a Mandela, esteve no centro da transição pacífica do país para a democracia, sendo a CVR um dos pilares desse processo de cura e reconciliação nacional.

O principal objetivo da CVR era investigar violações de direitos humanos ocorridas durante o apartheid e promover o perdão, a reconciliação e a compreensão entre os diferentes grupos sociais sul-africanos. Após 67 anos de luta de Madiba contra a dominação branca e por igualdade, a CVR foi fundamental para que a África do Sul não mergulhasse em um conflito maior. A comissão permitiu que vítimas e perpetradores de crimes dessem seus testemunhos, promovendo um ambiente de busca pela verdade e pelo perdão. Salvo erro, Madiba consegiu que agressores e agredidos sentassem na mesma mesa, que torturadores e torturados se olhassem nos olhos, que os descendentes das vítimas e algozes se perdoassem e se perdoassem, que a dor e a vergonha se misturasse para que, dessa mistura, de alguma forma, saísse uma possibilidade de convivência, se sobrevivência, de vida futura. Isso não é para qualquer um.

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A história nos faz viver ironias surreais. As ironias de hoje são tantas, que eu nem saberia por onde começar. É aquela coisa: a vida acontece entre os nossos planos.

Hoje é dia 11 de setembro de 2025, data que marca os 24 anos de um atentado que matou milhares de pessoas nos EUA, perpretado por um grupo de pessoas fanaticamente imbuidas de um sentimento de vingança sanguinária. Não vou entrar no debate de era justificado ou não, existe gente muito qualificada que já debateu amplamente o assunto e, no fim do dia, me parece que não existe nenhuma defesa "técnica" que justifique uma opinião ou outra. Existem apenas opiniões enfáticas e milhares de mortes. Existem apenas entendimentos e desentendimentos, poder e ego, e milhares de futuros ceifados.

E tenho a quase palpável sensação de que hoje é apenas mais um dia da vingança. De retribuição. Até que chegue o próximo...

O ex-presidente Jair Bolsonaro acabou de ser condenado a mais de 27 anos de prisão, por ter sido parte ativa de uma tentativa de golpe de Estado, junto com um grupo de pessoas, entre militares e civis, que não aceitavam o resultado de uma eleição presidencial, num país democrático. Apenas deixando claro, um ser humano que foi capaz de dizer, com convicção, algumas das coisas que disse (a ditadura deveria ter assassinado mais gente, Brilhante Ulstra era um grande homem, etc) ou fazer algumas das coisas que fez (imitar uma pessoa morrendo com falta de ar, em plena pandemia), não deveria caminhar as mesmas estradas que os demais mortais. Ele e eles fizeram por merecer isso e muito mais. Ditadura, em qualquer parte do planeta, nunca. Nunca! E espero que a punição deixe claro que esta será sempre a recompensa da sociedade democrática, para quem tiver veleidades similares.

Mas eu não estou em festa. Não mesmo. Não é disso que se trata.

Estou triste por outras razões. O meu medo é outro...

Tenho medo que a gente nunca mais se perdoe. De verdade. Tenho medo que a gente vire só, apenas, nada mais do que uma versão desumana de Montecchio e Capuleto, numa Verona global. Tenho medo de, sem Madiba, a gente nunca curar nossa raiva, nosso ódio, nunca busque a verdade, nunca mais encontre a paz libertadora do perdão genuino. E daqui a alguns anos, nossos netos, bisnetos e tataranetos se odiarão cada vez mais, de um ódio tão visceral e entranhado, que não haverá mais espaço para epifanias ou eventuais relampagos de lucidez que possam nos trazer de volta ao civismo e convivência pacífica com a discordância. E como as famílias de Julieta e Romeu, ninguém mais se lembrará da razão que fundamentou o ódio. Apenas odiará com a mesma naturalidade que respirará.

De verdade, tenho muito medo.

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A saudade de Madiba é a expressão da minha ânsia por alguém com muita coragem, voz e propósito, que diga "parem agora esse trem desgovernado. Precisamos consertar o motor, os freios, a ponte ali na frente, o conforto, o para-raios, etc, senão...", e consiga orquestrar essa reconciliação. Para o bem de tod@s. É preciso muito amor para perdoar de verdade. E tenho dúvidas se temos esse amor todo, neste momento.

Saudades de Madiba...

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