Conviver com medo...
É uma merda!
Hoje, saí relativamente cedo para o trabalho. O Taxi passou por parte do caminho que, normalmente, uso para ir para o clube, onde jogo tenis. A imagem abaixo mostra mais ou menos o percurso que eu costumo fazer, umas duas ou três vezes por semana, de patinete elétrico.
Agora, por causa do medo, muito provavelmente esse percurso passará a ser descrito como "o percurso que eu fazia".
Ao passar uns 100 metros do lugar onde aparece a bicicleta, na imagem, o motorista notou que estavam dois carros da polícia e aproveitou para me explicar que a polícia estava lá porque, na manhã ou madrugada anterior, duas pessoas tinham sido baleadas ali.
Importante saber que esse "finalzinho da UnB" se tornou um lugar onde, desde a pandemia, creio, tem muita gente em situação de rua. Pelo menos umas seis ou set famílias vivem lá. Eu passava lá também quando voltava do trabalho, também de patinete elétrico. Como costuma ter menos carros, era sempre um percurso mais fácil de fazer na estrada. Regularmente eu cumprimentava e era cumprimentado. Quando ia de menhã, às vezes via as pessoas acordando e arrumando o canto deles antes de ir sabe-se lá onde, ganhar a vida. Eu via cadernos, mesinhas improvisadas, crianças que brincavam com restos de brinquedos. Algumas vezes me pediam para dar uma volta de patinete. Nunca dei, sob a desculpa de estar sempre com pressa para chegar em algum lugar. As vezes que passei lá de noite, quase sempre tinha um pedaço da estrada no mais absoluto breu por causa de postes de luz que não funcionam, e tinha quase sempre fumo e o cheiro forte madeira e borracha queimada, que vinha das foqueiras que faziam para cozinha e se aquecer, de noite.
Agora, porque sei o que sei, provalemmente vou procurar outro percurso para ir para o clube. O motorista passou a me explicar que o lugar é, aparentemente conhecido pela comunidade de motorista de aplicativo como sendo um lugar perigoso. Ele contou a história de como alguém colocou pregos na estrada, 2 carros pararam com os pneus furados e aconteceu uma derradeira tentativa de assalto. Uma das pessoas conseguiu fugir e chegar até uma delegacia de polícia que fica a uns 300 metros desse lugar. Ele explicou como a polícia faz frequentes visitas às pessoas, junto com profissionais de assistência social, para descobrir que "a larga maioria tem casa em outro lugar, mas prefere ficar aó porque todos os dias passam carros que entregam comida melhor do que eu como, e água e agasalhos. E como as pessoas no Plano Piloto ajudam muito todos os moradores de rua, para eles é melhor continuar ali, invés de ir procurar trabalho". E prosseguiu com a explicação de como as leis protegem quem comete crimes e penalizam as pessoas do bem: "por exemplo, se eu bater nesse carro da frente, eu tenho de pagar o estrago. Se um ladrão rouba o meu carro e bate no carro da frente, ele não tem de pagar o estrago". "Mas ele vai preso, certo)", perguntei. "Sim, vai preso, mas não tem de pagar pelo estrago. A lei protege ele". Quase continuei a conversa, mas confesso que, de alguma forma o meu dia já estava estragado. Eram 8h30 da manhã e eu já me sentia enjoado. Lembrei-me e identifiquei-me com o nojo que o John Doe, do Seven, contava que sentia, da banalidade e malícia do mundo. E também entendo que provavelmente, no meio do racional raso do motorista, ele disse algumas verdades, entre as quais, de que tem gente que se aproveita do sistema. Mas, como eu disse, eu já não estava disposto a continuar a conversa. O estômago já estava revirado.
Eu já pensava no medo.
Pensava como o medo tinha acabado de entrar em mim e ia me fazer mudar hábitos, ia me fazer mudar o um percurso para evitar pessoas que nunca me fizeram mal nenhum. O medo ia restringir a minha liberdade. Mais uma vez. E viver com medo é uma das poucas coisas que odeio. Mesmo. E o medo é o que mais separa pessoas. Que ódio...
Comentários
Postar um comentário