Temos chorado demais...

Essa frase tem dançado na minha cabeça há umas semanas. Eu sei que a frase correta do Belchior é "Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro", mas a que tem ocupado fantasmagoricamente a minha mente é essa. Temos. Coletivamente. A humanidade inteira me parece ter chorado demais, ultimamente. E aí fica a dúvida entre duas leituras possíveis: se é "demais" no sentido "exageradamente, sem razão para tanto, mais do que seria justo" ou se é "demais" como em "as coisas estão demasiado pesadas o tempo todo, ao ponto de ultrapassar quase sempre o limite das nossas forças, da nossa resistência, da nossa resiliência". Confesso que não sei. Nem sei se é meu papel saber ou se tenho a capacidade de saber. Sei que eu tenho chorado demais - para mim, o demais será no sentido de "muito mais que eu gostaria, ultrapassando o choro libertador, tornando-se enjoativo". Sei que tenho visto muita gente chorar também, não sei se de barriga cheia ou se meritocraticamente. E não importa muito, nos dois casos creio que a dor é genuina, mesmo se no primeiro caso a tendência é querer relativizar com aqueles pensamento de que infelizmente tem sempre alguém num situação pior que a nossa. E é verdade que tem. Mas é mentira que dói menos. A dor é nossa e ninguém, absolutamente ninguém a sente como nós as sentimos. A empatia tem seus limites, infelizmente. No melhor dos casos, por mais empático que eu seja, só serei eu, tentando sentir a dor alheia. É melhor que nada, claro, mas não é a solução. Como eu disse, tenho chorado demais, tenho visto muita gente chorar. Ontem estava vendo um episódio da série Fargo e em algum momento um personagem contava uma parábola da pessoa (na série era um homem, claro) que, todos os dias rolava uma pedra grande para o topo de um morro, só para a encontrar de novo na parte de baixo do morro. E recomeçava tudo de novo. É esse tipo de angústia e desespero que tenho visto e sentido, essa sensação de que colocar um esforço desgraçado para fazer as coisas funcionarem e, ultimamente, pelo menos, a sensação que elas nunca dão certo. E nessa lista de "coisas" cabe um mundo: trabalho, família, amizades, dinheiro, saúde mental e física, política, sociedade, civismo, racismo, equidade, justiça, equilíbrio, prazer, sexo, amor, criatividade, evolução, digerir minimamente os traumas do passado (os sofridos e os causados), enquanto ao mesmo tempo tentamos evitar repeti-los no no presente e mais lá la frente, filh@s, responsabilidade e "culpas das para as quais a humanidade (e a religião, sobretudo) não arranjou cura, feminicídio, assédio, ciúmes, etc, etc, etc. É uma lista interminável que itens amalgamados nessa pedra que cada um tenta levar a bom porto do outro lado do morro. E temps de estar LÁ para tudo isso! E é muito mais peso do que podemos humanamente carregar. E choramos, assoberbados. Sempre que podemos, choramos escondidos, para ninguém ver esse momento em que nos sentimos destruídos e sem forças para seja lá o que for. E quando não dá mais para esconder, procuramos um gatilho, uma razão, uma abertura, para ver se alguém percebe nosso choro. Ou é o oposto? Começamos conseguindo chorar na frente de terceiro e quando isso não provoca nenhuma mudança ou diminuição da dor, então nos recolhemos no desespero? Não sei ... E tem coisas engraçadas no meio desse desespero. Tem. Eu já chorei porque o computador não ligava. Simples assim. Para depois descobrir que ele não estava ligado na tomada. Mas até chegar esse momento, eu já tinha passado pela raiva mais pura que senti, seguido da vontade obstinada de entender, para, no final, depois de nada mais funcionar, apenas soluçar convulsivamente pedindo a todos os deuses e deusas para pararem com tudo, que abandonava a luta. Óbvio que o problema não era o computador mas sim o acumular de provas, umas atrás das outras, sem tempo para respirar ou recuperar energias. E assim temos chorado demais... mas pouco importa o significado desse demais. É preciso poder chorar. Tenho terror do momento em que não poderei mais chorar. Não quero conhecer esse momento, não sei a dor que ele tem nem quero saber. Me pergunto algumas vezes onde está o limite da minha resistência, da resistência das pessoas em geral. É outra pergunta para a qual não quero saber a resposta. Temo que ela seja dramática.

E aí veio esse ano surreal para grande parte da humanidade, 2020. E tudo que já era difícil se tornou hercúleo. Exacerbado. Bizarro. Nem vou entrar na descrição do que foi porque, na realidade, eu tenho a esperança e a convicção que as coisas vão melhorar muito, mesmo que pouco a pouco.

Então vamos chorando e de alguma forma, tentando de novo fazer aquele bolo que nunca deu certo. Consta que chorar liberta serotonina, então faz bem. Também é catártico, o que também me parce bom. Sei que o chorar é libertador. Gosto do pós-choro, só eu e eu. Ás vezes dá sono, ás vezes dá fome, ás vezes simplesmente a vida retoma o seu curso. Ás vezes alguém escuta e...apenas escuta, sem trazer solução...e me sinto melhor. Quando traz a solução, melhor ainda, mas não é imprescindível. A lógica básica diz que não existe noite tão longa que impeça o sol de nascer de novo.


Pensando bem, talvez não tenhamos chorado o suficiente. Do choro nasce esperança, creio.
"Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!" Não morro mesmo!




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