Sabes o que mais me incomoda?
Contextualização rápida, para quem ler isto sem saber do que
se trata: a situação política no Brasil está numa encruzilhada assustadora. Um
esquema de corrupção duradouro, uma crise econômica, uma polarização popular
extremamente agressiva (chamam aqui de Fla-Flu político, como referência à
rivalidade esportiva entre o Flamengo e o Fluminense) e uma coisa chamada
Internet e redes “sociais”, que é como tentar apagar fogo com gasolina.
E vamos então a isto.
Sabes o que mais me incomoda? É a polarização política nos
ter levado a ter medo de discutir para evitar o conflito. É eu evitar assuntos com
família, amigos, colegas, só para evitar o desgaste do debate. É eu me ver
entrincheirado. É eu me observar, quase como uma experiência fora do corpo, e
ver que aqui e ali, eu reconheço que o outro lado tem um bom argumento ao qual vou,
no calor da discussão, ser surdo. E saber que, quando eu tiver razão em alguma
coisa, o outro lado também não me vai ouvir, mesmo se eu sei que ele concorda
comigo. Me incomoda supremamente essa surdez seletiva. Me incomoda essa
aparente incapacidade de conviver com a discordância, de conviver com as incoerências
e incongruências intrínsecas à nossa essência. Me incomoda ao ponto de tirar o
sono, fome e vontade de sorrir das coisas que antes me faziam rir às lagrimas.
Me incomoda acharmos que é absurdamente impossível aceitar que “o outro lado”
não é idiota, tem muitos bons argumentos, não é maquiavélico, não é mais egoísta
que nós, tem boas intenções como nós, erra na forma como nós, é casmurro como
nós, gosta de Clint Eastwood e é contra o direito de porte de arma, é a favor
da despenalização do aborto e é contra a pena de morte, é a favor dos programas
sociais do governo e da desoneração das cargas sociais do empresariado, é a
favor do direito à propriedade privada e do empreendedor de sucesso ganhar milhões
de reais por hora, assim como de desejar que este reverta parte dos ganhos dele
para uma sociedade mais justa, etc, etc. Me incomoda muito a aparente incapacidade
de lidar com a diferença. Não “somos iguais” e nunca seremos. Lida com isso, de
nada serve tentar esconder o Sol com uma peneira.
Podia, infelizmente, continuar esta lista por muitas linhas.
E sei que ela é tendenciosa, quem não o é? Tomamos partido quase sempre, temos
opiniões, umas fundamentadas, outras não. Isso não desabona ninguém, nem deveria.
E fico profundamente incomodado quando procuro uma pessoa ou
ambiente que compartilha os meus valores, só pelo conforto de uns momentos de
paz ilusória. E, ultimamente, o cinismo me incomoda. O meu e o dos outros. E cinismo
não é hipocrisia. Até pouco tempo, eu usava o cinismo como ferramenta para
provocar o pensamento dos outros. Ou pelo menos eu imaginava que assim fazia.
Hoje, mesmo se aqui e ali ainda sou cínico (difícil se reinventar tão rápido),
tenho a nítida e amarga sensação que nos tornamos cínicos quando nos rendemos.
É o último abandono, o derradeiro “baixar dos braços”. E isso dói. E tenho a
quase certeza que muitas pessoas pensam assim...
E a parte interessante: enquanto isso, “eles” fazem o que
querem. Não é tática nova. Sun Tzu, César, Maquiavel e mais uns tantos personagens
que passaram por este planeta, usaram desses estratagemas para benefício próprio.
Só que não encontro pessoas dispostas a se desfazer desses
escudos sociais. E não é surpresa nenhuma, se eu também não sei se posso e
quero me desfazer dos meus.
E isso me incomoda tanto...
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