Diário de viagem. Etapa 1: Brasília – Nova Iorque

Desde que cheguei a Brasília em 2006, só fiz uma viagem internacional e foi uma coisa curtíssima, 2 dias em Nova Iorque só para a TAM não ficar com as minha milhas. Não tinha voltado a Lisboa desde 2006. E a Paris desde 2002. E são duas cidades onde vivi 8 e 14 anos, respectivamente. É muito tempo. A Nova Iorque sempre quis voltar com mais tempo, a cidade me fascina. E agora, como o meu irmão acabou de se mudar para lá, não havia desculpas. Pedi 3 semanas de férias e preparei-me para visitar 3 continentes, rir com muita gente querida, sentir sabores e cheiros que outrora me eram familiares.
 
A primeira etapa da viagem era o voo Brasília – Nova Iorque. Para poupar, eu só tinha comprado Brasília/São Paulo/Miami, com milhas. O pedaço Miami/Nova Iorque foi comprado à parte. O plano era simples: saída de Brasília às 5 da manhã do dia 1 de setembro, chegada a São Paulo (Guarulhos) às 6:30, voo às 10:30 chegando a Miami às 18:05, dormir lá e voar às 6:00 do dia seguinte para Nova Iorque. Ia chegar a Brooklyn no fim da manhã de domingo, dia 2. Exausto, mas feliz. Pois bem, era sem contar com os caprichos da meteorologia e a organização das companhias aéreas.

Tenho de contar a parte de alguns voo porque fizeram parte de toda a experiência!
 
Saí de casa às 3 da manhã do dia 1 (sem dormir), deixei o carro na garagem do escritório e entrei no táxi para o aeroporto. Tudo normal até levantar voo. Apaguei. Por volta das 7:00 sou acordado por um pequeno alvoroço no avião. Limpo a baba e tento perceber o que se passa: vamos pousar em Uberlândia porque o aeroporto de Guarulhos está fechado por causa de um espesso nevoeiro. Boa. Começou bem. Ao meu lado uma menina de 20 anos fica preocupada porque ela tinha de apanhar uma de várias conexões até o destino final dela, algures no Canadá. Pois é, not gonna happen! E como ela, devia estar metade do avião. O meu voo era às 10:30, à esquerda uns espanhóis tinham uma correspondência para Munique, outros para Milão, Paris, até para Kuala Lumpur. O avião pousou, abriram as portas e ficamos lá parados cerca de 1 hora e meia. O pessoal de bordo tentava tranquilizar os passageiros em conexão dizendo que da mesma forma que não conseguíamos pousar lá, nenhum avião conseguia sair. Menos mal, pensamos uns para com os outros.
 
Pouco depois decolamos, a caminho de Guarulhos. Chegamos por volta das 10:00. Eu estava convencido que já não ia apanhar o voo para Miami, mas um bacano da TAM me pediu para acelerar. Atravessei o aeroporto em passo de guerra e quando estava na fronteira, fui avisado que não dava porque não ia dar tempo para tirar a minha mala de um avião e colocar no outro. Decepcionadíssimo, saio da alfandega e preparo-me para pegar a minha mala e ir ver com a TAM quais eram as minhas opções. Passa uma hora e nenhum sinal da bendita mala. Quando esta finalmente aparece, a alavanca para puxar já não existe. O meu mote é “whatever, só quero ir para Nova Iorque”...
 
Saio da área das bagagens e dirijo-me ao balcão da TAM, onde encontrei o que pareciam ser outros 3.452 passageiros piursos, por estarem presos em São Paulo. Parecia Beirute em tempo de intifada. Mais 1h30 de fila e chega a minha vez. Quando ia falar com a senhora, aparece uma mãe desesperada, com duas crianças em prantos. Um dos homens que estava na fila grita para quem quer ouvir, que a senhora está sozinha no aeroporto com os filhos há 24 horas, se alguém pode ajudar, etc, etc. Como era a minha vez, fiz sinal à senhora e deixei passar na frente. Como diz o povo, o que é um peido... Ao ver isso, a equipe de chilenos que esperava logo atrás de mim acha que eu sou o palhaço do dia e tenta passar na minha frente também. Educadamente, fuzilo dois com o olhar e eles recuam. Chega a minha vez, conto a minha história mais uma vez, explico que por causa disso tudo ia perder o meu voo Miami – Nova Iorque, que Nova Iorque é o meu destino, blá, blá, blá. A mocinha não se comove e me diz que o máximo que ela pode fazer é me colocar no voo das 23:55 para Miami e tentar falar com a American Airlines para que eles me mudem de voo. Ok, “whatever, só quero ir para Nova Iorque”. Ela muda tudo, faz o check-in da minha mala e me dá os vouchers para transporte, hotel e almoço.
 
São 15h quando chego finalmente no hotel que fica a 30 minutos do aeroporto. Ainda antes de fazer check-in no hotel somos informados que a cozinha fecha às 15h e que provavelmente não poderemos almoçar. 23 pares de olhos comunicam telepaticamente com ele e deixam entender que a vida dele está em risco. Ele indica logo a porta dos elevadores que levam ao restaurante. Subimos para almoçar, cruzo a mesma senhora e seus dois filhos, já mais calmos, que aguardavam o almoço. Peço um peixe-qualquer-coisa que demora tanto que vem frango. “whatever, só quero ir para Nova Iorque”. Como vejo que o almoço da senhora e das crianças ainda não chegou, chamo o garçom pergunto porque nós que chegamos depois já estávamos a almoçar e a senhora e os filhos, não. Olhar desesperado outra vez, entra na cozinha e 2 minutos depois volta com os pratos deles. Acabo de almoçar, desço para dar entrada no hotel. Com uma felicidade indescritível vejo  dois caminhões acabaram de descarregar os 30 chilenos, mais outros tantos paraguaianos e argentinos. Mau. A fila para dar entrada no hotel vai até ao estacionamento. Eu abandono. Vou dormir no hall de entrada. Como dizia frei Damião, “eles que se fodam!”. Passam 30 minutos e decido tentar ir para o quarto. Pergunto quem é o último da fila e coloco-me logo depois. 10 minutos passam quando nos surge uma florzinha de saltos altos e nariz tão virado para o teto que só por milagre não tropeça ao entrar no hotel, que passa ao lado das 12 pessoas que estavam na fila – tchk, tchk, tchk – e fica em pé na linha, como se fosse a próxima a ser atendida. Os demais terráqueos, palhaços como eu, olham um para os outros com cara de “alguém conhece a gaja?”. Perante as negativas, ficamos uns segundos com cara de parvos. Como ninguém disse nada, eu toco no ombro da primeira dama e indico o fim da fila. Com ar surpreso ela pergunta num portunhol macarrônico se era para ir para o último lugar da fila. Deixo-vos imaginar as respostas líricas que me passaram pela cabeça, mas como eu estava em modo “whatever, só quero ir para Nova Iorque”, apenas acenei com a cabeça. A estrelinha fez a cara do gato do Shreck, procurou compaixão nos 12 pares de olhos, e como só encontrou um leve luor de ódio, baixou o nariz e foi para o fim da fila. Terminamos o check-in, são 17h quando entro no meu quarto. Dispo, ligo 3 desperadores para ser acordado às 21h, ligo o ar condicionado e a tv (passava o US Open de tenis) e desmaio na cama.
 
Acordo 8 horas mais tarde. Isso mesmo. Oito. Horas. Mais. Tarde.
 
São 1:30 da manhã quando retomo consciência. Nesse momento tenho apenas um pensamento na cabeça: quero voltar para a minha cama em Brasília. A viagem que vá para a inferno e que leve junto a TAM, o hotel, a mala quebrada, a vaca que tentou ultrapassar todo o mundo, São Paulo, a van, o modo “whatever, só quero ir para Nova Iorque” e tutti quanti. Por mim podem dobrar pequenino e guardar lá onde o sol nunca brilhou. Como dizia frei Damião. Pego nas minhas coisas e desço para o hall do hotel. Pergunto pela van. Não tem durante a próxima hora. Claro, né? Nem sei porque perguntei. Chamo um táxi, arroto R$ 50 por 15 minutos de transporte às 2 da manhã até ao aeroporto. Chego lá, dirijo-me ao balcão da TAM e explico toda a história outra vez, adicionando a parte em que perdi o voo por culpa minha e de mais ninguém e que não me importava de voltar para Brasília para a minha cama porque eu estava muito cansado e esta ideia da viagem era estúpida mesmo. Nesse momento descubro que o pessoa da companhia aérea que trabalha de madrugada nos aeroportos são estupidamente mais simpáticos e prestáveis. O jovem tenta não gargalhar com o meu filme e me pede para aguardar pois precisam localizar a minha mala, antes de fazer seja o que for. E eu sorri comigo mesmo e pensei em voz alta “com a minha sorte, a esta hora ela deve estar em Islamabad ou na província do Sichuan”. Ele conteve heroicamente a gargalhada e pediu-me para aguardar. Eu avisei que ia no café comprar uma água enquanto eles procuravam. A caminho do café, recebi um SMS com dados de uma passagem Guarulhos/JFK, ás 8:45 da manhã. Mal acreditava. A fé na humanidade se restaurava pouco a pouco.  
 
Quando voltei eles já tinham a minha mala. O check-in estava feito, amas eu tinha que levar a mala para entregar antes de embarcar. Deram-me outro voucher de van/hotel e fui embora. Chegado ao hotel, eram 4 da manhã. Pedi um sanduíche, jantei, vi TV, tomei banho e saí de novo ás 6 horas. Sem dormir, desta vez. Daí em diante não houve mais problemas. O segredo é não dormir. Nunca. Ás 8 horas estava sentado no avião a caminho de Nova Iorque.
 
Decolamos dentro do horário e, 2 filmes, 2 refeições, 1 vinho, 4 séries e 3 sucos mais tarde, cheguei a JFK. Fui acolhido pelo maior avião do mundo, o A380.
 
Ás 20h (locais), depois de 1 hora de metro + 10 minutos de táxi, estava em casa do meu irmão em Brooklyn, acolhido pelo desarmante sorriso do meu sobrinho.
 
Home, sweet home...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dia 29, de não sei quantos...

Dia 27, de 33!

Dia 26, de não sei quantos...