Amizade e amor...amizade com amor...

Talvez o texto mais pessoal que coloco aqui. Há algum tempo que estas palavras pedem para sair...

Eu sei que sou difícil de conviver, não pensem que não sei. A arrogância, a ironia, a comédia, o cinismo latente, o autismo áspero que aparece sem avisar, a aparente esquizofrenia, são tudo sintomas dessa dificuldade. Felizmente, nenhuma psicopatia. Muito pelo contrário, gosto e acredito muito nas pessoas. Mas como eu disse, sou bem consciente dessas características, desses traços da personalidade. Todo mundo tem os seus “defeitos”, esses são os meus minhas. Não tenho uma atitude “sou assim, lidem com isso, não vou mudar para ninguém!”. Algumas dessas características até tento mudar, amenizar. Outras nem tanto, por estarem tão intrinsecamente ligados à minha personalidade. Convivo com elas, como pequenos monstros inofensivos e travessos que, de vez em quando, para um público seleto, deixo sair do quarto. A minha ex melhor amiga uma vez escreveu algo assim “eu sei que eles estão lá. Não os vejo, mas sei que dançam no chão do meu quarto”. Não sei se ela falava dos monstrinhos dela, mas eu conseguiria descrever os meus de outra forma. Não se trata de autocomiseração. Apenas tento ser realista e pragmático. E pragmaticamente sei que as minhas qualidades também são riquíssimas e superam os defeitos de forma incomparável.

Onde quero chegar com isto? Calma. Porque tanta pressa?

Como fazer para se apaixonar de novo? Parece simples, não é? Somos frutos das nossas experiências, não é? Ou talvez essa não seja a pergunta correta. Conheço pouquíssimas pessoas que não almejam encontrar um companheiro para a caminhada. Não fujo à regra, também gostaria muito, claro. Com o tempo deixei de pensar que só poderíamos amar uma vez intensamente. A comparação é estúpida. Podemos amar várias vezes, todas intensamente diferentes. Mas no meio dessa confusão partilhamos de outra coisa: o medo de falhar de novo, de bater a cara pela n-ésima vez naquela mesma parede que suspeitávamos o tempo todo lá estar. E, verdade seja dita, esbarramos nela vezes sem conta. Nos últimos dois anos bati nessa parede três vezes. Em segredo, sem alarido. Mas foi feio a cada vez, atordoante. Doeu, houve dor no corpo, lágrimas, raiva e tristeza. Admira-me a capacidade de recuperação do ser humano. Assim como a sua capacidade aprender de forma seletiva. É como quando bebemos muito. A cada ressaca vêm os juramentos de “nunca mais me pegam nessa merda”. Até a vez seguinte. Tão pateticamente humano.

Então como garantir sucesso? Não há garantias, eu sei. Mas deve haver uma forma de limitar os potenciais danos? Há sim, basta não se entregar a 100%. Simples assim. Mas não faz muito sentido não se entregar a 100% numa história de amor, não é? Melhor sair dela, ou mesmo não entrar, se é para se embarricar com medo da tempestade que pode, ou não, vir. Por mais forte que seja o instinto de preservação...não conheço uma “forma segura de amar”. Se souberem, por favor compartilhem.

Não há uma forma segura. Mas acredito que haja um caminho mais sensato: pela amizade. A amizade, quando genuína e sincera, é um sentimento mais rico, sólido, confiável. O que vai me salvar quando a pessoa que aceitar conviver de perto comigo, descobrir os monstrinhos, quando ela entrar no meu “quarto escuro”? Ou quando eu descobrir os segredos dela, aqueles dos quais ela não se orgulha tanto, os esqueletos no armário? Não é o amor. Nunca foi o amor. O amor é tão volátil e instável quanto um frasco de nitroglicerina. E ainda por cima mora na porta ao lado do ódio. Quantas vezes passamos de um ao outro num piscar de olhos? É a amizade. Sempre foi a amizade. Nunca vi amigos sinceros se odiarem. A palavra chave é “sincero”. Não se trata dessa versão flácida da amizade digital do século 21. Trata-se daquela amizade genuína, orgânica, que expõe e aceita a nossa beleza ao mesmo tempo que o nosso podre. Tem uma compreensão desinteressada na amizade, uma aceitação mais leve das nossas idiossincrasias. Acrescentar amor a uma amizade dessas me parece bem mais sensato e fazível do que o oposto.

Eu já tive isso. Depois perdi. Mas tive. E como alguém disse em algum lugar, em algum tempo “é melhor ter tido e perdido do que nunca ter tido”. Acho que era Shakespeare. Tem cara de Shakespeare ou de Auden, aquele do poema fúnebre do “Four weddings and a funeral”. Sim, sim, eu sei. Ele dizia “amar”, permitam-me a licença poética para atingir o meu objetivo...

Comentários

  1. Muito bom o texto, daqueles que fazem a gente pensar: "Quem te contou sobre a minha vida??" rss Mas uma coisa me chamou muita atenção. Vc cita no texto, uma ex-melhor amiga e fiquei me perguntando se seria esse o destino daqueles que acrescentam amor a uma amizade =(
    Um beijo
    Nane

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  2. Nane, sinceramente não sei. A minha esperança é que seja possível conciliar os dois...mas a minha experiencia foi outra. Mas foi apenas uma experiencia. Pode ter sido a excepção à regra... :)

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