Dia 3, de não sei quantos...

Saint Jean Pied de Port - Burguete: 30 km.

Acordei às 6h00, de uma noite mal dormida - cama horrível, quarto quente, saco-cama ainda mais quente, roupa desconfortável (deitei quase como cheguei), enfim... No café da, conheci finalmente a dona do albergue, muito simpática e cheia de dicas para a 1a etapa. Uns senhores franceses ironisavam e riam da dificuldade da etapa. Uma velhinha francesa e eu não rimos. Com o estômago aconchegado, fui para o centro do peregrino buscar um passaporte e o primeiro carimbo da jornada. Aproveitei e passei numa loginha e comprei a garrafa de água e o canivete que faltava. Conheci o Sérgio, um português do Puórto, professor de empreendedorismo da Universidade de não-lembro-onde, com quem faria uma parte da etapa. E começamos!
Se eu tivesse uma definição para esta etapa, seria o même "well, that escalated quickly !". A etapa evoluí rápida e desnecessariamente para níveis de dificuldade surreais. Do nada.

A parte fácil da etapa durou os exatos 183 metros até chegar a uma bifurcação, onde os peregrinos escolhem entre a "rota napoleônica" e a outra, "menos difícil". Seguimos Napoleão. Eu sentia que não seria boa ideia, pela história do jovem. Enfim. Fomos. E o nível da caminhada passou logo para "difícil", sem anestesia. Mas com paisagens de tirar o fôlego, felizmente! Céu azul e temperatura mais que amena.

Firam cerca de 8 km sob o Sol, saindo dos 173 metros de altitude de Saint Jean, até chegar aos 800 metros do abrigo Orisson. 
Pausa rápida no abrigo: bebi um suco de laranja, comprei uma banana e duas barrinhas de cereais. Perguntei para a moça se ainda ia subir muito, ao que ela respondeu com um enfático "a parte mais difícil ficou para trás! Buen camiño!". Ainda bem que ela mentiu. Se tivesse falado a verdade  muitos de nós teriam ficado por ali mesmo, enviando postais fictícios para familiares, dizendo o quão mágico é o camiño.
Olhamos para o painel e vimos que tínhamos feito 1/3 do caminho ate Roncesvalles. O que não vimos era o quanto ainda íamos subir. Ignorância é benção, foi a frase do dia. E fomos subindo, com mais paisagens espetaculares...
Às vezes sob o olhar estranhamente direto das ovelhas...
Tenho a certeza que aquela ovelha estava pensando "mais um inocente...". E foi dito e feito. O ceu começou a se fechar.
E o que estava difícil se tornou insano. As gotas de chuva começaram de leve, parei pegar a caoa de chuva. O legal é que a mochila da NASA nao sai fácil, é cheia de ganchos, ajustes e bolsos e eu não lembrava onde tinha guardado o raio do Poncho. Quando consegui, ja estava vento e frio. O Sérgio tinha parado bem antes para almoçar. Eu não. Agora a fome chegava e eu tinha só barras tipo Twix. Vi uma aglomeração no que parecia ser um food truck das montanhas, cheguei perto e o velhinho tinha pão, queijo, ovos, barras de cereais, licor, etc. Pedi um sanduíche e ele respondeu, lacônico "o sanduíche é você comprar o queijo e o pão e ir mordendo de um e de outro!". Ok, entonces. Comprei o "sanduíche" e algumas barras de cereais e comecei a procurar um lugar para sentar e almoçar. O problema é que o nível técnico do passeio estava prestes a mudar de insano para estúpido. 
Caso não dê para ver, a chuva se tinha transformado em granizo, a subida em quase escalada, o chão em pedras lama e água corrente. Foi lindo. Senti uma união entre peregrinos nessa momento mágico, tod@s falavam palavrões em várias línguas. Até o japonês, um sujeito normalmente contido e educado, largou um "come on! Fuck this!".

Depois de uns 15 a 20 minutos desse inferno, do outro lado descemos um pouco, a temperatura subiu o suficiente para voltar a chover normalmente.
Aproveitei para ir comendo meu sanduíche gourmet de 4 euros, enquanto me mantia atento ao chão enlameado. Só me faltava cair e ficar sem almoço.

Depois disso, continuamos subindo, mas pelo menos sem chuva. Eu fiquei de Poncho até chegar ao albergue. A experiência de colocar o objeto debaixo de chuva deixou traumas.

765 km até Santiago e, sobretudo, ainda faltavam 2 horas até Roncesvalles. E para mim, mais uns 4 km até Burguete. E ainda estávamos subindo!

Passamos a fronteira.
Caminhamos na floresta e sobre uma cama de folhas mortas
E mais paisagens...
Ate chegarmos ao último abrigo, antes do topo.
Depois do abrigo, mais 30 minutos de subida de pedra, para chegar ao Collado de Lepoeder, 1430 metros.
A partir daí, descida para Roncesvalles, no frio e com chuva. Sérgio ficou no mosteiro e nunca mais o vi.
Segui até Burguete, pela floresta, cantando sozinho para me dar ánimo, já que a "minha" van nao quis me levar, nao sem antes notar que a porcaria da distância até Santiago tinha aumentado!

Chegado a Burguete, banho, arrumei a cama, conversei com coreanos, australianos, estadunidenses e escoceses, enquanto esperava a chuva passar para ir jantar.
22h na cama, luzes se apagaram.

Paz!

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